Parece-me...Será?
Parece-me que já não sou mais,
Hodierne, quem eu costumava ser!
Estou mais crítico, mais ácido, mais velho!
Parece-me que os anos me trouxeram,
Em seu bojo, cargas de responsabilidades demais
E evitei o curso do rio prostrando-me
Na margem oposta à das corredeiras.
E cravei-me no chão feito árvore antiga
Cultivei em sofreguidão uma antiga ferida
E fiz de mim uma sombra dos sonhos passados
Claudicando em minha luta para não sofrer.
E sofro antes, à beira da inércia,
E canto, ignóbio,
Músicas tradicionais da Pérsia;
Buscando enfim, um sentido sublime
E um norte mais que real...
Mas o que sou e o que me tornei, por fim,
São sintonias do que outrora plantei
São frutos dos sonhos que mortifiquei
Fazendo do futuro uma estrada de tijolos
Frágeis e sujos e débeis, um a um...
Será que estou na contramão social
Ou mesmo em algum beco sem saída?
Será que já dei o aceno de despedida
Tendo ainda o filme inteiro por desenrolar?
Meu desejo de te ver
Enevoado pelo medo
De me fazer, a ti, parecer
Um mero bobo da corte.
De me fazer de tolo
Ao convidá-la para sair
De me contentar com alguma desculpa
Ao invés de apostar que te farei sorrir.
Talvez eu já seja mesmo idiota
Por titubear em te ligar
E com um parcos receios me paralisar
E abortar o que poderia ser
Uma noite mais que divertida.
E se meu sonho não virar realidade
E se você simplesmente não tiver vontade
De, comigo por instantes, caminhar?
Será que você pensa em mim
Em repartir comigo
Alguns breves momentos?
Será que guardas, em secreto,
O desejo de se surpreender
Com o que oculto de todos
E para ti farei replandescer?
Ou serão apenas devaneios meus?
Só saberei, enfim, se puder conceder ao meu desejo
A oportunidade de se realizar ou de, por fim,
Facear uma dura, triste e sólida realidade.
Olho para a noite com negras lentes
Cego meu coração para emoções futuras
Que contigo poderia partilhar.
E em minha alcova repouso,
Por fim, descrente...
Me dedico a criar meiga
E singela canção. E meu solitário sonho
Perdura pela noite ideal na qual o real
Parece-me não ter,
Na casa do meu prazer,
O seu próprio e sólido lugar.