Hiperatividade e Psicomotricidade
Corriqueiramente vemos algumas pessoas falarem “meu filho é hiperativo”, “esse menino é
‘hiperativo”, “leve-o ao neuropediatra para saber se é hiperativo e precisa de
medicação”. A medicação mais conhecida para tal mal é o Cloridrato de
Metilfenidato, um estimulante do sistema nervoso central, o mais vendido
comercialmente possui o nome de Ritalina.
Mas, vem
cá, se a pessoa é hiperativa porque vai tomar um estimulante do sistema nervoso
central? Vou postar aqui informações técnicas, indicações e
precauções presentes na bula e discutiremos melhor o caso em questão.
“Informação técnica – RITALINA -
Farmacodinâmica é um estimulante do sistema nervoso central. Seu
mecanismo de ação no homem ainda não foi completamente elucidado, mas
presumivelmente ele exerce seu efeito estimulante ativando o sistema de
excitação do tronco cerebral e o córtex. O mecanismo pelo qual ele produz seus
efeitos psíquicos e comportamentais em crianças não está claramente
estabelecido, nem há evidência conclusiva que demonstre como esses efeitos se
relacionam com a condição do sistema nervoso central.”. ¹
Segundo a bula do medicamento um efeito positivo
pode ocorrer, mas não se sabe as causas para tal. Bem, sabe-se que funciona
então será prescrito, mas qual a interação entre estimulação química numa
pessoa disfuncionalmente estimulada ainda não se sabe. É no mínimo estranho
pensar que uma pessoa hiperativa, que mantem-se em atividade constante, possui
dificuldades de conter seus impulsos, de focar sua atenção, de relaxar e até
mesmo dormir possa tomar um estimulante e minimizar seus efeitos. A efetividade
por si só pode causar complicações, mas vamos continuar observando. Quais os
riscos e precauções prescritos por esse
medicamento?
Pode parece que sou contra o uso dos remédios ou
contra o exercício da psicofarmacologia, mas o que estou tentando evidenciar e
que às vezes ingerimos medicamentos sem nos importarmos qual a sua ação, seus
riscos ou sua comprovação científica de ação. O Cloridrato de Metilfenidato,
como vimos nos texto retirado da bula acima, comprovadamente tem efeito
estimulante no sistema nervoso central, particularmente o tronco cerebral e o
córtex cerebral. Será que a única via de tratamento a ser ministrada nos casos
de TDAH-Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade?
“Indicações
– RITALINA Déficit de atenção e
hiperatividade (DAH). O DAH era anteriormente conhecido como distúrbio de
déficit de atenção ou disfunção cerebral mínima em crianças. Outros termos
utilizados para descrever essa sídrome comportamental
incluíam: síndrome da criança hipercinética, lesão cerebral
mínima, disfunção cerebral mínima, disfunção cerebral menor e síndrome
psicorgânica de crianças. RITALINA é
indicado como parte de um programa de tratamento amplo que tipicamente inclui
medidas psicológicas, educacionais e sociais para estabilizar as crianças com
uma síndrome comportamental caracterizada por distractibilidade moderada a
grave, déficit de atenção, hiperatividade, labilidade emocional e
impulsividade. O diagnóstico não deve ser definitivo, se
tais sintomas são apenas de origem recente. Os sinais neurológicos
não-localizáveis (fracos), a deficiência de aprendizado e EEG anormal podem ou
não estar presentes e um diagnóstico de disfunção do sistema
nervoso central pode ou não ser assegurado.” ²
Nas indicações vemos uma preocupação de aliar os
tratamentos farmacológicos, psicológicos, educacionais e sociais. Que ótimo,
mas vemos essa discussão interativa entre os saberes acontecer ou são só mais
formulações teóricas de um saber
especializado? Quem faz esse diálogo entre os saberes?
Edgar Morin (2001)³ aponta para a necessidade de
buscar uma interação interdisciplinar e transdisciplinar. Mas será que na
prática cotidiana vemos uma busca efetiva de tal diálogo ou briga por mercado
dos saberes especialistas.
Com numa história antiga hindu, “Sábios cegos e o Elefante”4,
parecemos sábios cegos tateando o elefante e achando que nosso
conhecimento sobre a tromba, a presa ou a pata bastam para explicar o elefante
como um todo. Enquanto isso, enquanto brigamos sobre quem detém a verdade sobre
a hiperatividade, uma criança vai se tornando alvo de variadas intervenções
inclusive sendo alvo de um remédio que pode causar dependência e tolerância e
age obscuramente sobre o TDAH.
Que repercussões tem isso para a criança em
plena maturação orgânica, crescimento, aumento de peso, altura e volume e por
fim em seu desenvolvimento neuropsicomotor? De onde vem os termos disfunção
cerebral mínima, síndrome da criança hipercinética, lesão cerebral mínima? O
que significam?
Brevemente o que posso dizer sobre essas
terminologias anglo-saxãs acerca do fenômeno da síndrome hipercinética é que
elas nascem de uma dedução neurológica obscura como igualmente é obscura a ação
do medicamento em sua interação com a doença.
Pensava-se que a criança movia de forma
excessiva, impulsiva e desatenta (sintomas da hiperatividade), por conta de uma
lesão cerebral tão pequena que era impossível detectar por via de exames
laboratoriais da época, mas que no futuro detectar-se-iam lesões mínimas que
explicassem o fenômeno psicomotor. Uma lesão de ordem cerebral seria a causa do
transtorno psicomotor. Uma lesão que existe mas não pode ser comprovada?
(estranho né? No fim do arco-íris há um pote de ouro, com certeza!).
O termo disfunção veio da modernização do mesmo
pensamento de substrato orgânico dos autores anglo-saxões acerca do problema da
hiperatividade. O sujeito seria hiperativo por conta de um substrato orgânico.
Como a lesão não era possível diagnosticar o termo foi modificado para
disfunção cerebral, pois se trataria de uma disfunção, uma desordem de uma das
funções neurológicas, igualmente qual das funções ou como se processa a tal
disfunção não foi possível diagnosticar. Por fim o termo mais moderno é o TDAH,
que está englobado nos transtornos Hipercinéticos no CID-10:
F90
Transtornos hipercinéticos
Grupo de transtornos caracterizados por início
precoce (habitualmente durante os cinco primeiros anos de vida), falta de
perseverança nas atividades que exigem um envolvimento cognitivo, e uma
tendência a passar de uma atividade a outra sem acabar nenhuma, associadas a
uma atividade global desorganizada, incoordenada e excessiva. Os transtornos
podem se acompanhar de outras anomalias. As crianças hipercinéticas são
frequentemente imprudentes e impulsivas, sujeitas a acidentes e incorrem em
problemas disciplinares mais por infrações não premeditadas de regras que por
desafio deliberado. Suas relações com os adultos são frequentemente marcadas
por uma ausência de inibição social, com falta de cautela e reserva normais.
São impopulares com as outras crianças e podem se tornar isoladas socialmente.
Estes transtornos se acompanham frequentemente de um déficit cognitivo e de um
retardo específico do desenvolvimento da motricidade e da linguagem. As
complicações secundárias incluem um comportamento dissocial e uma perda de auto-estima5.
As precauções descritas na bula6
especificas do TDAH são: acerca de seu uso não universal sobre todos os casos
de TDAH, não é indicado para reações de estresse agudo, pode numa estatística
mínima causar um leve aumento de crises epilépticas, pode causar um leve
retardo no crescimento e uma moderada redução no peso, não há dados de
segurança no uso contínuo do medicamento e sua retirada brusca pode favorecer o
surgimento de sintomas depressivos e de sintomas hiperativos.
A psicomotricidade, que possui outra forma de
analisar e tratar o problema que não a via medicamentosa, nasce no século XIX,
com o avanço da neurofisiologia quando foram constatadas diferentes disfunções
graves sem haja uma correlação com uma lesão no sistema nervoso central. “A figura de Dupré é de fundamental
importância para o âmbito psicomotor, já que é ele quem afirma a independência
da debilidade motora (antecedente do sintoma psicomotor) de um possível
correlato orgânico”. (Levin, 2000, pg.24)7.
A Instabilidade Psicomotora é um dos transtornos
psicomotores que possui sintomatologia idêntica ao TDAH, mas que possui formar
abordar e trabalhar totalmente distinta da farmacológica. Esse transtorno
psicomotor é desse modo descrito por Levin (2000), no livro A
Clínica Psicomotora:
“Na
instabilidade psicomotora encontramos determinadas características clinicas,
como por exemplo a criança que apresenta descontinuidade nas brincadeiras e em
toda a sua produção corporal, e tem dificuldade em inibir seus movimentos, o
que provoca, em geral, um grande desdobramento corporal, expansivo, explosivo e
agressivo.
Essas
crianças possuem uma grande necessidade de mover-se, custam a encontrar um
lugar no qual ficar quietas ou relaxar, e suas posturas e atitudes mudam constantemente
dando a imagem de inquietação e verdadeira instabilidade corpórea.” (Levin,
2000, pg. 158)8.
Para tratar a instabilidade psicomotora, pela
via da clínica psicomotora em transferência (terceiro corte epistemológico da
Psicomotricidade), focamos o trabalho no sujeito que põe seu corpo em movimento
e expressa suas dificuldades da forma supracitadas. E, como tal, já que o foco
é o sujeito que sofre e expressa em seu corpo suas potencialidades e
dificuldades, a prática tem como o eixo a relação transferencial entre o
psicomotricista e a criança que padece com a instabilidade psicomotora, a
história de vida do paciente, o que é falado sobre ele pelos pais e demais
cuidadores, como ele se expressa no ambiente escolar.
O clínico psicomotor visa a expressão dos
aspectos saudáveis e criativos do paciente ao invés do foco na doença e sua
possível remissão e principalmente, como esse sujeito constitui seu próprio
saber acerca de si e do que padece e como ele se expressa ao por seu corpo em
movimento nas cenas simbólicas construídas ao longo da prática clínica, que se
utiliza do viés do brincar espontâneo realizado em pleno laço transferencial.
Assim como a medicação é uma forma de tratamento
eficaz a prática da clínica psicomotora em transferência também se mostra
eficaz ao buscar reestabelecer a imagem corporal e favorecer um desenvolvimento
saudável psicomotor do pequeno paciente que sofre de transtornos psicomotores,
dentre eles a instabilidade psicomotora
Há muito que se pesquisar e descobrir acerca da
complexidade do fenômeno da criança excessivamente ativa, impulsiva e
desatenta, com instabilidade psicomotora ou TDAH a depender do referencial
epistemológico. É possível aliar os dois tratamentos para uma solução humana
desse transtorno que atinge principalmente crianças em plena fase de
desenvolvimento neuropsicomotor. Para tal, basta se constituir realmente os
canais de diálogo entre os diversos saberes especialistas buscando a solução
ideal para um problema real de multifatorial complexidade.
Para saber mais, entre em contato com:
Jakson C. Gama, CRP 19/001259, Psicólogo clínico especialista em
Psicomotricidade pela Unifacs em convênio com o Centro Lydia Coriat (Porto
Alegre/RS).
Bibliografia
e Links da internet:
Quadrinho: "Crianças digam não às drogas (placa)" - "Já
tomaram sua Ritalina hoje, crianças? (professora)" - "Sim!(
Alunos)" - "Por que deixamos o governo drogar nossas crianças?"
(Frase abaixo no quadrinho)} https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEht2eoX8D6bFveSWDvciDCvhuxG-68PHXF0FE5Yq_wKy5Egb9d8raN-nQXQknR2nIbISddrEYiDxGtphZo2MWTz3Xo1fuUnJwhDgwKfjO48waNiImiSy1B14gQjP0im_5kWau0WU0Bg1pA/s1600/ritalina+1.jpg
2. Idem;
3. MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes. Editora Bertrand Brasil.2001.
7.
LEVIN,
Esteban. A
Clínica Psicomotora: o corpo na linguagem. Editora Vozes.
Petropólis, RJ.3ª ed. 2000, pg. 24.
8.
Idem,
pg. 158.